Assisti 12 curtas nesse final de semana em Flores da Cunha/RS. Fui convidado pelo Juliano Carpeggiani para compor o juri do Astro 2009, o festival estadual de vídeos realizados por estudantes de ensino médio do RS. Fiquei muito impressionado com a qualidade dos curtas feitos naquela cidade. Não estou sendo generoso nem condescendente, fiquei realmente muito impressionado com o que tive o privilégio de assistir. Consegui uma cópia de 4 dos 12 curtas e mostrei pra minha esposa quando cheguei em casa. A princípio ela ficou relutante em assistir, imaginando que veria o que se espera de filmes feitos por adolescentes. Esse preconceito é até certo ponto legítimo, pois se baseia nas nossas próprias experiências de fazer vídeos na faculdade. Por mais criativos que fossem, só eram engraçados ou interessantes dentro daquele contexto de turma de faculdade. A qualidade artística e técnica do que a gente fazia era muito próxima da nulidade absoluta. Por isso, fui obrigado a insistir. Usei um golpe baixo. Convenci minha filha de 11 anos a ver. Depois que ela decide ver alguma coisa na TV, ninguém tem coragem de mudar a programação.
E não precisei de mais de 1 minuto de filme para deixá-las de queixo caído. A piazada de Flores sabe muito bem o que está fazendo. É inacreditável o profissionalismo na captação de imagem e som, as escolhas de enquadramentos, a decupagem das cenas, os roteiros, diálogos, direção de arte, enfim, muito superior aos parâmetros de qualidade técnica considerados "normais" para este tipo de produção. Eles fazem filmes que nos divertem, provocam sustos, entretêm e emocionam.
Mas como eles conseguem fazer isso tudo? Qual é o segredo de Flores da Cunha, a futura capital nacional do cinema? Claro que tem uma explicação muito simples. Há onze anos eles criaram uma fórmula de ensino e cultura audiovisual muito promissora que só nos últimos anos começou a mostrar resultados. Isso parece um pouco com o processo de fermentação da uva para fazer os vinhos maravilhosos que encontramos naquela região. A combinação dos ingredientes começou a ser feita em 1998 com a criação do Astro. Nos primeiros anos, os filmes eram muito parecidos com o que normalmente se encontra nas mostras estudantis. Faltava domínio de linguagem, o som era captado direto do microfone da câmera, o roteiro repleto de piadas internas, diálogos de péssima qualidade, enfim, mal conseguiam estruturar uma história com começo, meio e fim e que pudesse ser entendida por uma pessoa que não tivesse participado das filmagens. Esses filmes eram (e ainda são) exibidos no salão paroquial, com espaço para 1500 espectadores da cidade. A fermentação provocada pelo festival começou a fazer efeito lentamente, a cada ano os alunos assistiam as produções dos colegas e já começavam a pensar nos filmes do ano seguinte. OK, até aí nada de novo, pois essa é a função dos festivais. Apenas isso não seria suficiente para produzir vinhos finos.
Em 2005, sete anos depois do primeiro Astro, surge o Núcleo de Produção Audiovisual (NPAV) como resultado de um convênio de 160 mil Euros entre a União Européia e a Prefeitura de Flores da Cunha, sendo 70% provenientes do organismo internacional e 30% como contra-partida do município. Dentro da proposta lançada pela União Européia, o NPAV passaria a abrigar projetos que desenvolvam produções audiovisuais com temas vinculados à imigração italiana. A idéia é que futuramente o núcleo se transforme numa escola de audiovisual, oferecendo cursos de extensão e graduação. A pré-existência do Astro foi fundamental para firmar a parcereia com a União Européia. Com o núcleo, os alunos puderam dispor de equipamentos profissionais de captação de som e imagem, além de equipamento de edição. Bem, com isso a infra-estrutura estava garantida. Mas, quem trabalha na área sabe muito bem que nenhum equipamento, por mais caro e moderno que seja, garante a criação de bons filmes. Faltava a qualificação das pessoas e dos processos. O Juliano Carpeggiani, um dos criadores do Astro e coordenador do NPAV, passou a organizar e ministrar uma série de oficinas de cinema, promovendo uma integração entre o núcleo e o Colégio Estadual São Rafael, a escola que abriga o festival. Os alunos do São Rafael passaram então a fazer oficinas de cinema no NPAV e ainda contavam com a supervisão dos profissionais na realização dos curtas. Isso até 2008. A partir de 2009 os alunos apenas fizeram as oficinas e aprenderam a utilizar os equipamentos. Os curtas deste ano, portanto, foram feitos totalmente (de ponta a ponta) pelos estudantes. A maioria já contava com dois vídeos no currículo e 10 edições do festival como espectadores. Enfim, o vinho está pronto para ser degustado. Uma delícia por sinal.